quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A nossa Creche é a Escola dos nossos sonhos

A Escola dos Meus Sonhos


       Na escola dos meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar eletrodomésticos, a fazer pequenos reparos em eletricidade e de instalações hidráulicas,  a conhecer mecânica de geladeira e algo de construção civil. Trabalham horta, marcenaria e oficinas de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra. Uma semana ao ano integram-se na cidade, ao trabalho dos lixeiros, enfermeiros, carteiros, guardas de trânsito, policiais repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais. Assim aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.
       Não há temas tabus. Todas as situações - limite da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a Matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das privatizações; o Português, na fala dos apresentadores de TV e nos jornais; a Geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a Física, nas corridas de Fórmula-I e nas pesquisas do Supertelescópio Huble; a Química, na qualidade dos cosméticos e culinária; a História, na violência contra cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores-índios, senhores-escravos, Exército-Canudos etc.
       Na escola dos meus sonhos a interdiciplinalidade permite que professores de Biologia e de Educação Física se complementem; a multidiciplinalidade faz com que a História do Livro seja estudada a partir de textos bíblicos; a transdiciplinalidade introduz aulas de meditação e dança e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas. Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo; o pai-de-santo, do candomblé; o padre, do catolicismo; o médium, do espiritismo; o pastor, do protestantismo; o guru, do budismo etc. se for católica, há periódicos retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja. Na escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazer periódicos treinamentos e cursos de capacitação e só são admitidos se, além da competência, comungam os princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática. Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido do que sejam democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.
       Ela não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida; o produto adquirido; sua química, analisada e comparada com a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde. Programa de auditório de Domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente, a visão de felicidade, a relação animador-platéia, os tabus e preconceitos reforçados etc. em suma, não se fecham os olhos à realidade, muda-se a ótica de encará-la. Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério, um mês por ano, setores não vitais da instituição, são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados às suas práticas.
       Não há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha. Como fazia meu velho mestre, Geraldo França de Lima, professor de história (hoje romancista e membro da Academia brasileira de Letras), no dia de prova sobre a Independência do Brasil os alunos traziam para a classe a bibliografia pertinente, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar.
       Não há coincidência entre o calendário gregoriano e curricular. João pode cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, depende de sua disponibilidade, aptidão e seus recursos. É mais importante educar que instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.
       Na escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para se poderem manter. Pois é a escola de uma sociedade em que educação não é privilégio, mas direito universal, e o acesso a ela, deve ser obrigatório.

Frei Beto


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